terça-feira, 23 de agosto de 2011

Divã

A fonte, as revistas, a meia luz são um convite à abertura de si mesmo. Na sala de espera, parece que o tempo simplesmente parou lá fora. Lá fora, vista para prédios altos e sem janelas. O som alto do rádio bloqueia que se escute a sessão alheia. Os quadros na parede nos envolvem de tal forma que quase saímos de si. Tem aquele azul, parece o tubo de uma onda turbulenta e tranquila, que nos faz mergulhar fundo em si, mas sem deixar escapar um borrão vermelho enorme que cobre metade da obra. E há o da ruela... às vezes parece na Bahia, às vezes parece Veneza, às vezes parece lugar nenhum. É um amontado de casinhas que seguem os contornos da rua até fechá-la completamente. E então ouve-se um "fica bem, até logo" e a porta que antecede a porta de saída é aberta. Você fica na dúvida se olha pra quem está dali saíndo ou se "repeita" sua identidade e privacidade. Vai que é alguém conhecido que não quer ser visto, não é? E então a terceira porta se abre e lhe convida a entrar. O convite vai muito além de entrar numa sala, é um grito urgente para você mergulhar em si mesmo em qualquer uma das 3 opções para acomodar-se. Há muitos abajures. Há uma escrivaninha bagunçada, com aquele luminária verde horizontal que lembra filmes antigos sobre escritores famosos. Há um divã. Há um sofá. Há uma cadeira. Há uma caixa de lencinhos. Um convite para chorar. Objetos extremamente pequenos. Uma decoração que se encontra, de tanto se perder. E há alguém ali na sua frente, que não te conhece mas que na primeira palavra que você falar, ela saberá dizer-lhe quem és. Por um minuto dá a sensação de estar pagando por algo plastificado, assim como aqueles "personal stylist", "personal organizer"... e você parece estar caindo na onda europeia da absurda ideia do "personal friend". Não. Para com isso. É um profissional. Não um charlatão. Alguém que estudou muito para ajudá-lo a compreender a complexidade da vida. Então, em poucas palavras, eu começo a contar dos acontecimentos que evoluem até virar um caminhão descarregando areia depois de atravessar o Brasil. Ela pede pausa. Pausa para falar. E fala e pergunta e questiona. Responde as tuas respostas. Responde as tuas perguntas. É um diálogo rápido. Diabolicamente, ela entrou em você como se tivesse visto você nascer, convivido integralmente na sua casa e visto e sentido tudo que se passa dentro de você. Acabou a sessão. "Mas como?" você se perguntará, pois a sensação é de ter sentado ali a 10 minutos atrás. Acabou. Como tudo acaba. Mas na próxima sessão tem mais. E então ela troca o band-aid, como ela mesmo descreveu. Amarra forte as ataduras, recomenda diversos tipos de "remédios", lhe dá alta, mas só até a próxima. Abre a porta e você, com vergonha e com vontade de ver e ser visto por quem já está na sala de espera, não presta mais atenção no que ela diz. Agradece. E não olha pros lados. Segue reto até a porta de saída. Para na frente do elevador. E suspira.

2 comentários:

  1. Muito bom.. Exatamente como eu me sentia equanto fiz terapia, e da mesma forma fez com que eu tivesse ainda mais certeza da profissão que eu escolhi..

    ResponderExcluir