domingo, 26 de fevereiro de 2012






Hello for the new



Quando me encontrei comigo, eu estava de passagem. Gostei tanto de quem conheci que resolvi andar junto, lado a lado, dentro.Eu introjetei em mim aquela pessoa que, finalmente, não estava mais vivendo levianamente, mas participando verdadeiramente da realidade. Foi estando muito lúcida que pude me embriagar de arte e deixar minha imaginação inventar os caminhos que ela trilharia. Conheci paisagens, às vezes, muito familiares, mas o meu olhar era inédito.
Não sou mais imediatista quando me faço companhia, pois essa nova pessoa respeita o seu próprio tempo.Por isso, também é preciso evitar alguns lugares, pessoas, antigos hábitos e pensamentos. O passado só me cabe para servir como base para o que tenho me tornado. Cada dia eu amanheço numa página em branco e vou dormir numa outra cheia de coisas que escrevi e vivenciei. A única garantia é que nem sempre encontro o que procuro, mas sempre busco o estado e o lugar mais confortáveis para mim. Eu mereço experienciar esta fascinação pela vida e a liberdade de ser exuberante e transformar o chão em céu, o mar em útero, meu corpo em Templo. Respeito os que vivem de outro modo, porque meu caminho não é o certo nem o único, é o que eu escolhi para mim quando lancei mão do meu livre arbítrio.
E nasci apaixonada pelo amor, mas só agora, me fazendo companhia, é que ele deixou de ser uma palavra para se tornar uma experiência.
Sou muito grata por estar na esquina aonde eu estava passando e por ter me dado a mão...Caminhamos juntas: eu comigo mesma!


via 


sábado, 25 de fevereiro de 2012

Felicidade



Nós somos claramente responsáveis pelas consequências das nossas atitudes. Como há duas semanas, quando me dei conta de que tinha guardado a conta de luz de dezembro e esquecido de pagar. Foram três horas vivendo na Era pré-Thomas Edison, em um dia cheio de textos deixados para a última hora.
Nós também somos responsáveis pelo que dizemos - e pelo que deixamos de dizer. Sou pentacampeã mundial na categoria falar coisas horríveis sem pensar. E, na maioria das vezes, o arrependimento vem durante o vômito de palavras inconsequentes, raramente acompanhado de um pedido de desculpas. Porque sou hexacampeã em orgulho idiota.
Nós somos responsáveis - ou pelo menos tentamos ser responsáveis - por uma lista infindável de obrigações morais. Não conseguimos nem nos livrar daqueles que cativamos. Como decretou Saint-Exupéry em "O Pequeno Príncipe", somos eternamente responsáveis por essa gente. E eu sei bem disso, pois não suporto a ideia de que exista alguém no mundo que não goste de mim.
A justificativa para todas essas responsabilidades, incluindo a de ficar magra, bem vestida, ter um trabalho apaixonante e uma pessoa incrível para amar e ser amado, é chegar a algo próximo do que se considera "felicidade".
Mas será que, assim como nossas contas para pagar, nós somos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade?
É natural pensarmos que não. Aprendemos desde cedo, na escola, que os seres humanos dependem de outros seres humanos. Lembro da professora de "Atualidades" falando sobre como o comércio é uma das provas de que não somos autosuficientes. Nós precisamos trocar para sobreviver.
E seguindo essa lógica, seria, de fato, impossível ser feliz sozinho. Tom Jobim devia concordar com a minha antiga professora de "Atualidades". De repente eles até já se pegaram. Isso explicaria muita coisa do que ela dizia nas aulas.
De todo modo, se eles estiverem certos - minha professora de "Atualidades" e o Tom Jobim - então a felicidade está fora da nossa esfera de responsabilidade. Nós dependemos da troca com outros seres humanos para sobreviver. Nós dependemos do quanto os cativaremos e do quanto seremos cativados por eles. Nós dependemos das suas escolhas, das suas palavras e das consequências de suas atitudes. E, por isso, meus caros, seja como for, a culpa por nossos infortúnios jamais haverá de ser nossa.
Ufa.
Acontece que, ao nos livrarmos do terrível peso de sermos os únicos responsáveis por nossa própria felicidade, adquirimos outras cargas, tão trambolhudas quanto. Como a autopiedade, por exemplo. Culpar o mundo pelas injustiças sofridas, lamuriar-se pelas tristezas vivenciadas, sofrer, sofrer, sofrer, e depois sofrer mais um pouco é o que os seres humanos fazem quando isentos da responsabilidade de serem felizes.
Ok, nós precisamos da troca com outros seres humanos. Nós damos batatas e recebemos tomates de volta. Só que se os tomates vierem todos podres, cabe somente a nós decidir o que fazer com eles. Podemos sentar e chorar, nos vitimizar, repetir que "só acontece comigo", que "é sempre assim", "ó vida, ó azar"... ouuu - e sim, existe um ou - podemos elegantemente juntar os tomates podres, jogá-los na lixeira e fazer o melhor que nos for possível com as batatas que restaram na despensa.
Não digo que é um trabalho simples. É milhões de vezes mais tentador chorar pelos tomates podres no chão. Eu, por exemplo, seria uma suicida nata, não fosse pelo meu egocentrismo exacerbado. Sou boa demais para morrer, seria um desperdício. Mas tenho total consciência de quando escolho ser infeliz. É aquela fração de segundo em que você deliberadamente opta pelo sofrimento. Você tinha escolha, mas preferiu a habitual dose de autodestruição e autopiedade. E é quase compreensível. É muito mais fácil ser infeliz.
Para tentar ser feliz, você precisa assumir responsabilidade pelas trocas efetuadas com outros seres humanos. Para o bem e para o mal, você é o único responsável pela forma como essas negociações te afetam. Já para ser infeliz, você não precisa fazer absolutamente nada. É só esperar um pouco que os tomates podres virão. E eles virão aos montes.





quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Santa



Vai chover de novo,
deu na tv que o povo já se cansou de tanto o céu desabar,
E pede a um santo daqui que reza a ajuda de Deus,
mas nada pode fazer se a chuva quer é trazer você pra mim.

Vem cá que tá me dando uma vontade de chorar,
Não faz assim, não vá pra lá, meu coração vai se entregar à tempestade.

Quem é você pra me chamar aqui se nada aconteceu?
Me diz, foi só amor ou medo de ficar sozinho outra vez?

Cadê aquela outra mulher?
Você me parecia tão bem,
A chuva já passou por aqui, eu mesma que cuidei de secar.

Quem foi que te ensinou a rezar?
Que santo vai brigar por você?
Que povo aprova o que você fez?
Devolve aquela minha tv que eu vou de vez.

Não há porque chorar por um amor que já morreu,
Deixa pra lá, eu vou, adeus.
Meu coração já se cansou de falsidade.



terça-feira, 21 de fevereiro de 2012

Não há.



Quando tua mente esteve confusa, a minha também ficou. Não consigo mais dormir, porque dói quando penso, dói quando lembro, não me sinto a vontade com os planos que fizemos
e os riscos que tomamos. Talvez não sejam seus, muito menos meus, mas algo nos fez esquecer que há ondas que podem se quebrar, assim como todas as palavras que falamos e que acabaram no lugar das que realmente queríamos ter dito. Hoje, palavras podem não ser o suficiente. Mas eu te peço, fica em casa pra descançar, só essa noite e então, pelo amor de Deus, tente fechar seus olhos e procure dormir e sonhar comigo, só mais uma vez. Durma e saiba que se eu soubesse todas as respostas, eu não as esconderia de ti. Compartilharia tudo que eu sei, porque nós dissemos um ao outro que não tinha outro jeito e assim nos afastamos.

Silêncio demais pode confundir tudo. Não precisa mais encontrar razão, pela mesma porta que entrou está indo embora, como um dia que acabou e faz parte de uma estação. Acabou.

And there's no other way.









quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012








Um causa que valha a pena



Eu queria encontrar um motivo forte pra abrir os olhos pela manhã, virar o quadril e pôr os pés no chão. Algo que fosse nobre o suficiente para me engrandecer. Que meu braços pudessem abraçar e doar tudo que há em mim. Algo que eu pudesse ver resultados concretos, desses que deixam o passado pra trás, onde nunca mais irão voltar. É como se a minha própria necessidade de tantas coisas não tivesse sentido se comparada a necessidade de tantas outras pessoas. Quase mais não dói minhas feridas perto de tantas outras por fome, abandono, solidão, pobreza, desgraça, tragédias. Torna-se praticamente insignificante a minha história, o meu passado, o meu presente perto de quem não teve e, possivelmente, nunca terá nenhum dos dois. Me sinto mal por isso, como se eu estivesse abusando da boa vontade e do tempo dos outros (principalmente do meu), enquanto tantas outras pessoas seriam bem mais merecedoras do que tenho e, às vezes, não me satisfaço com tal. Ocupo espaço nas redes sociais, em blogs, em cadernos, em ombros que tão melhor poderiam ser aproveitados. Há, enquanto eu revivo infinitas vezes o que já teve seu fim decretado, milhares de outros corações e pulsam por tristezas maiores que a minha. E ainda, os que param de pulsar, por "vontade" de quem os detinha, por simplesmente não ter encontrado nenhuma outra saída.

Queria eu me doar a causas mais nobres, mais necessitadas, mais concretas. Queria eu alimentar bichos em extinção e ajudar com a natureza. Queria eu me engajar com organizações em prol do meio ambiente, começando por parar de cuspir o chiclete na rua. Queria eu poder deixar tudo pra trás e alimentar crianças em zonas de maior pobreza. Queria eu sentar com adolescentes e ouvir suas lamúrias, tentando mostrar-lhe que nem tudo é tão difícil quanto parece ser. Mas e o que eu diria? Iria mentir que a vida é fácil e simples, que é possível encontrar-se na natureza, que o amor é o mais sublime dos sentimentos? Mentir porque assim soaria melhor, porque assim, mesmo que por minutos, poderíamos tentar ver a realidade de uma forma mais leve. Mas não posso. Não consigo mentir pra mim mesma nem ao me olhar no espelho, com lágrimas ainda rolando. Não posso dizer a alguém que "vai ficar tudo bem" se pra mim esse clichê ainda não se fez realidade. Não posso.

A melhor causa que eu poderia me engajar é a minha. Da minha felicidade, do controle sobre meus pensamentos, minhas atitudes, minha vida. E essa é a mais difícil. Outras realidades não são sentidas por nós justamente por não serem nossa. E a nossa não é resolvida justamente por não nos engajarmos com nós mesmos. Uma causa que valha a pena? Se encontrar, me diga como ajudá-la.





"(…) E a gente sente que ela não espera mais nada de nada nem de ninguém."
— Caio Fernando Abreu





"Anota num papel e cola na geladeira: Desapegue dos detalhes. Gargalhe. Não se importe. Seja egoísta. Confie em você. Não fique com medo antes que aconteça. E sempre…Cuidado com quem se importa de verdade!!!"
— Tati Bernardi 






Assim, GRITADO.




VOCÊ ME PEDIU PERDÃO COMO SE PUDÉSSEMOS REMOVER COM UMA BORRACHA NOSSO PEQUENO E TRÁGICO PASSADO. MAS EU TE PERDOEI PORQUE NÃO CONSIGO GASTAR UM ÁTIMO DE SEGUNDO DA MINHA EXISTÊNCIA GUARDANDO QUALQUER SENTIMENTO POR VOCÊ. E PARA TE PERDOAR, PRECISEI PERDOAR TAMBÉM A MIM MESMA PELA ARMADILHA QUE CRIEI QUANDO EU ESTAVA TRISTE E DESORIENTADA DEMAIS PARA ACHAR QUE VOCÊ PUDESSE ME DAR QUALQUER TIPO DE DIREÇÃO E DESABEI NOS SEUS BRAÇOS E ME DEIXEI LEVAR PELAS SUAS MENTIRAS CAUDALOSAS. E VOCÊ, COM SUA PERSONALIDADE NOCIVA E PERVERSA, E POR VIVER TÃO AFUNDADO NA IGNORÂNCIA DE SER QUEM É, AINDA PENSOU QUE SER PERDOADO ERA UM PASSAPORTE PARA QUALQUER TIPO DE APROXIMAÇÃO. NÃO. AGORA EU TENHO SANIDADE PARA FAZER ESCOLHAS CERTAS E NÃO ESTOU FRÁGIL COMO ANTES. O QUE VOCÊ ME CAUSOU E AS CONSEQUÊNCIAS GRAVES QUE TIVE QUE ADMINISTRAR SOZINHA, POR CAUSA DA SUA COVARDIA, ME FORTALECERAM DE TAL FORMA, QUE O MEU HORIZONTE INTERNO SE AMPLIOU NO PEITO E NOS APRENDIZADOS. POR ISSO, A PESSOA QUE CONSEGUE TE PERDOAR HOJE, NÃO É A MESMO QUE VOCÊ FERIU COM TODA A CRUELDADE QUE EU NÃO SABIA SER POSSÍVEL NUM SER HUMANO CONSIDERADO SOCIALMENTE NORMAL. O MAL QUE VOCÊ TEM FEITO A SI MESMO, NÃO É MAIS PROBLEMA MEU E A MINHA PRESENÇA SERIA UM PRESENTE DADO A ALGUÉM QUE NÃO TEM A MENOR CONDIÇÃO DE RECEBER O QUE É BOM. EU PODERIA TER AJUDADO VOCÊ A SE LAPIDAR COM A MINHA PREDISPOSOÇÃO PARA O AMOR. MAS VOCÊ, ACOSTUMADO A VIVER NA ESCURIDÃO, NÃO SOUBE SUPORTAR A MINHA LUZ.

ESPERO QUE ENCONTRE ALGUMA PAZ SE ALGUM DIA CONSEGUIR E QUISER VIVER DENTRO DA HONESTIDADE.




Foice, o tempo - Marla de Queiroz

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2012

Vai tomar no karma!





Eu sou uma boa pessoa. Faço trabalhos voluntários, não desperdiço água, pago minhas contas em dia. Tá, eu sei, eu não faço nada disso. Especialmente a última parte. Mas eu sou uma boa amiga. Sou generosa. Dou bons presentes. Sempre me preocupei mais com os sentimentos dos outros do que com os meus próprios - salvo raríssimas exceções que me enchem culpa até hoje.
Então a pergunta que não me sai da cabeça é: "Cadê-a-porra-do-karma?" Ele existe? Por que não dá as caras pra mim, nunca? Tá bom, nunca é um exagero. Mas, sério. Não sou invejosa. Quero que todo mundo seja feliz (ok, todo mundo menos uma lista de doze pessoas que merecem o sofrimento eterno). Só que agora eu vou dizer uma coisa que vai soar como um argumento de uma criança de cinco anos fazendo bico:E eu?Sério. E eu? Há tempos que eu fico feliz pelos outros. Quando é que eu vou poder ficar feliz por mim?Posso não ser a melhor amiga ou a melhor filha do mundo. Posso não dar esmola aos desabrigados. Posso, inclusive, chegar a ofendê-los um pouco quando eles passam de pedintes a insistentes. Posso, acidentalmente, chutar crianças no shopping. Posso sentir um prazer sádico ao ver o povo queimando os pés na areia escaldante da praia de Copacabana. Posso ser horrível às vezes, especialmente pela manhã, antes de tomar café. Mas eu sou uma boa pessoa. E já estou ficando de saco cheio de nunca ser recompensada.







domingo, 12 de fevereiro de 2012

Fora de mim - Parte (sem fim)



"Doeu perder você. Passados quatro anos, ainda lembro. é uma dor tão recorrente na vida de tantas mulheres e tantos homens, é assunto tão repreisado em revistas, é um sofrimento tão clássico e tão narrado em livros, filmes e canções, que mesmo que eu não lembrasse, lembrariam por mim. é uma dor que se externa. Uma dor que se chora, que se berra, que se reclama. Uma dor que tentamos compreender em voz alta, uma dor que levamos para os consultórios dos analistas, uma dor que carregamos para mesas de bar, e que vem junto também para a solidão da nossa cama, para o escuro do quarto, onde permitimos que ela transborde sem domínio e sem verbo. A dor massacrante do abandono, da falta de telefonemas, da falta de beijos, da falta de confidências. No entanto, perde-se o homem, perde-se a mulher, mas o amor ainda está ali, mesmo sendo o deflagrador do vazio. Por estranho que pareça, há uma sensação de pertencimento, algo aidna está conosco. A saudade é uma presença.
Então vem a etapa seguinte.
Essa não é tão divulgada, tem-se por ela mais respeito e menos informação, pois é vivida pelo silêncio. O que acontece é que tem uma hora que ninguém mais aguenta ouvir a gente entonar nossa sina, lamentar nossa má sorte, procurar explicações para o fim. É quando a gente se dá conta de que já abusou da paciência dos amigos, dos familiares, e cala. Sofrimento cansa. Não só cansa aquele que sofre, mas cansa aqueles que o assistem.
Foi assim que a segunda dor começou, enquanto a primeira ia diminuindo. Já que eu não queria mais amolar niguém, comecei a fingir que estava me recuperando, e aí começou a recuperação de fato, tirei o foco de cima da minha autocomiseração, já não me sentia abandonada por Deus, aceitava com resignação a ruptura definitiva do nosso relacionamento, e dei início a um novo processo de despedida. Não mais o adeus a você, que já havia partido, mas o adeus à pessoa sofrida que eu vinha sendo. Aquele eu amargurado é que estava saindo da minha vida."




Seis





Seis meses se passaram. Ainda te encontro por entre nossos registros online (e como foram numerosos!). Pulsa mais forte meu coração quando isso acontece; é como reviver, te sentir, te (re)amar. É como se tu nunca tivesse partido e, ao mesmo tempo, como se eu nunca mais tivesse voltado. "Levanta e te sustenta", disse a música e disse tu, sabendo que não foste por por não me amar. Apesar de repetir essas quatro palavras que corroeram os poucos restos que tinham sobrado de mim (e de nós), teu "eu não te amo" caía no esquecimento quando tua visita, tímida, arrependida, frágil, sensível, resolvia me surpreender. E me balançar. E muito. Seis meses depois, revivo tudo com o mesmo ocorrido com uma amiga. Ouço as mesmas desculpas, lamento pelos mesmos motivos. Tento consolá-la com tantos clichês que decorei, fingindo não precisar consolar a mim mesma. Chorei até ter dó de mim. Gritei por mudanças na busca por me recriar, mas mantenho a impressão de que saí de órbita pra nunca mais voltar. Ainda pensa em mim, eu sei. E sente saudade. Mesmo que a boca que te beija hoje não seja mais a minha e o corpo que tu queres abraçar, não é mais o meu. Mesmo que não seja minha a última ligação no celular e a mais nova atualização no Facebook. Mesmo que não seja o meu cachorro que corre em tua direção, saudar tua chegada. Mesmo que não seja meu irmão lembrando-te do quanto és incrível. Mesmo que as manhãs de sábado não sejam mais para acordar cedo - e sim, para acordar da ressaca. Mesmo que velhos sonhos tenham se partido. Mesmo que velhos presentes não tenham mais sentido. Mesmo que velhas promessas tenham sido esquecidas. Mesmo que não seja mais meu. Sempre soube o que sentia. Eu via. Não teria ido embora assim, tão de repente. E muito menos mudado de alvo, tão rapidamente. Hoje, tu não te assume. Não assume o que há ao teu redor. Por medo? Não sei e nem quero. Eu te perdi e ganhei a imensidão, juntamente com esse vazio incalculável. Sei que outros virão. Saiba que alguns já estiveram no seu lugar. Mas jamais irei compará-los a ti, procurar viver o que vivemos e muito menos acreditar no que sentimos. Mas não pretendo me enganar e muito menos usar alguém pra preencher tantas perguntas não respondidas. A solidão é mascarada por luzes piscantes, álcool e fumaça. De dia, eu sinto. De noite, passa. Não se importará. Não contará o tempo. Não sentirá mais nada. E não me esquecerá.










Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei, eu te estranhei
Me debrucei sobre teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
No teu peito, teu pijama
Nos teus pés ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho
Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me vingar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua.
— Chico Buarque





O rouge virou blush. O pó-de-arroz virou pó-compacto. O brilho virou gloss. O rímel virou máscara incolor. A Lycra virou stretch. Anabela virou plataforma. O corpete virou porta-seios. Que virou sutiã. Que virou silicone. A peruca virou aplique… interlace… megahair… alongamento. A escova virou chapinha. ‘Problemas de moça’ viraram TPM. Confete virou MMs. A crise de nervos virou estresse. A purpurina virou gliter. A tanga virou fio dental. E o fio dental virou anti-séptico bucal. Ninguém mais vê: O à-la-carte porque virou self-service. A tristeza agora é depressão. O espaguete virou miojo pronto. A paquera virou pegação. A gafieira virou dança de salão. O que era praça virou shopping. A areia virou ringue. O LP virou CD. A fita de vídeo é DVD. O CD já é MP3. É um filho onde eram seis. O álbum de fotos agora é mostrado por e-mail. O namoro agora é virtual. A cantada virou torpedo. E do ‘não’ não se tem medo. O break virou street. O samba, pagode. O carnaval de rua virou Sapucaí. O folclore brasileiro, halloween. O piano agora é teclado, também. O forró de sanfona ficou eletrônico. Fortificante não é mais Biotônico. Polícia e ladrão virou Counter Strike. Fauna e flora a desaparecer. Lobato virou Paulo Coelho. Caetano virou um pentelho. Elis ressuscitou em Maria Rita. Raul e Renato. Cássia e Cazuza. Lennon e Elvis. A AIDS virou gripe. A bala antes encontrada agora é perdida. A violência está maldita. A maconha é calmante. O professor é agora o facilitador. As lições já não importam mais. A guerra superou a paz. E a sociedade ficou incapaz. De tudo. Inclusive de notar essas diferenças.


— Luís Fernando Verissímo


quarta-feira, 8 de fevereiro de 2012

terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

O maior adeus






No dia do maior adeus, o sol estava alto,
era início do verão que a brisa quente
abençoava. Eu era amada e ouvia o contínuo murmúreo das ondas.

No dia do maior adeus, pensei em mel, em pérolas,
em facas, em deuses, em Ícaro com suas asas,
em vertigem, em céu, em pássaros.

No dia da despedida, comi peixe com pirão.

No dia do maior adeus, continuei lembrando que
iria pela via afora, todos os dias, dias a dias, a adorar o Amor,
mesmo que sua passagem provoque alegrias
e descontentamentos.

No dia da distância aumentada.
Da estrada da incomunicabilidade.
Do descaso.
Do descontinuado.

As nuvens seguiram, condensando
lembranças pluviais.
Caminhei pela montanha, comprei jornal,
reguei as samambaias.
Como todos os dias: abri e fechei janelas.

No dia desse adeus, pensei em entender, em me calar,
em para sempre, pensei em não pensar.

Nesse dia vi estrelas radiantes e silenciosas.

No dia do maior adeus, permaneci com os olhos no cais,
o sangue escorrendo, coagulando,
e eu, até a medula,
fadada a ser eu.


Natália Barros



O amor que a vida traz







Você gostaria de ter um amor que fosse estável, divertido e fácil. O objeto desse amor nem precisaria ser muito bonito, nem rico. Uma pessoa bacana, que te adorasse e fosse parceira já estaria mais do que bom. Você quer um amor assim. É pedir muito? Ora, você está sendo até modesto.

O problema é que todos imaginam um amor a seu modo, um amor cheio de pré-requisitos. Ao analisar o currículo do candidato, alguns itens de fábrica não podem faltar. O seu amor tem que gostar um pouco de cinema, nem que seja para assistir em casa. E seria bom que gostasse dos seus amigos. E precisa ter um objetivo na vida. Bom humor, sim, bom humor não pode faltar. Não é querer demais, é? Ninguém está pedindo um piloto de Fórmula 1 ou uma capa da Playboy. Basta um amor desses fabricados em série, não pode ser tão impossível.

Aí a vida bate à sua porta e entrega um amor que não tem nada a ver com o que você queria. Será que se enganou de endereço? Não. Está tudo certinho, confira o protocolo. Esse é o amor que lhe cabe. É seu. Se não gostar, pode colocar no lixo, pode passar adiante, faça o que quiser. A entrega está feita, assine aqui, adeus.

E agora está você aí, com esse amor que não estava nos planos. Um amor que não é a sua cara, que não lembra em nada um amor idealizado. E, por isso mesmo, um amor que deixa você em pânico e em êxtase. Tudo diferente do que você um dia supôs, um amor que te perturba e te exige, que não aceita as regras que você estipulou. Um amor que a cada manhã faz você pensar que de hoje não passa, mas a noite chega e esse amor perdura, um amor movido por discussões que você não esperava enfrentar e por beijos os quais nem imaginava ter tanto fôlego. Um amor errado como aqueles que dizem que devemos aproveitar enquanto não encontramos o certo, e o certo era aquele outro que você desconfia que não lhe pertence. Aquele amor em formato de coração, amor com licor, amor de caixinha, não apareceu. Olhe pra você vivendo esse amor a granel, esse amor escarcéu, não era bem isso que você desejava, mas é o amor que lhe foi destinado, o amor que começou por telefone, o amor que começou pela internet, que esbarrou em você no elevador, o amor que era pra não vingar e virou compromisso, olha você tendo que explicar o que não se explica, você nunca havia se dado conta de que amor não se pede, não se especifica. não se experimenta em loja, como quem diz: ah, este serviu direitinho!

Aquele amor corretinho por você tão sonhado vai parar na porta de alguém que despreza amores corretos, repare em como a vida é astuciosa. Assim são as entregas de amor, todas como se viessem num caminhão da sorte, uma promoção de domingo, um prêmio buzinando lá fora, mesmo você nunca tendo apostado. Aquele amor que você encomendou não veio, parabéns! Agradeça e aproveite o que lhe foi entregue por sorteio.


Martha Medeiros



segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012




"Vou continuar, é exatamente da minha natureza nunca me sentir ridícula, eu me aventuro sempre, entro em todos os palcos."


          Clarisse L. 

Na terra do "se"







Se quem luta por um mundo melhor soubesse que toda revolução começa por revolucionar a si próprio. Se aqueles que vivem intoxicando sua família e seus amigos com reclamações fechassem um pouco a boca e abrissem suas cabeças, reconhecendo que são responsáveis por tudo que lhe acontece. Se as diferenças fossem aceitas naturalmente e só nos defendêssemos contra quem nos faz mal. Se todas as religiões fossem fiéis a seus preceitos, enatecendo apenas o amor e a paz, sem se envolver com as escolhas particulares de seus devotos. Se a gente percebesse que tudo o que é feito em nome do amor (e isso não inclui ciúme e posse) tem 100% de chance de gerar boas reações e resultados positivos. Se as pessoas fossem seguras o suficiente para tolerar opiniões contrárias às suas sem precisar agredir e despejar sua raiva. Se fôssemos mais divertidos para nos vestir e mobiliar nossa casa, e menos reféns de convencionalismos. Se não tivéssemos tanto medo da solidão e não fizéssemos tanta besteira para evitá-la. Se todos lessem bons livros. Se as pessoas soubessem que quase sempre vale mais a pena gastar dinheiro com coisas que não vão pra dentro de armários, como viagens, filmes e festas para celebrar a vida. Se valorizássemos o cachorro-quente tanto quanto o caviar. Se mudássemos o foco e concluíssemos qe infelicidade não existe, o que existe são apenas momentos infelizes. Se percebêssemos a diferença entre ter uma vida sensacional e uma vida sensacionalista. Se acreditássemos que uma pessoa é sempre mais valiosa do que uma instituição: é a instituição que deve servir a ela, e não o contrário. Se quem não tem bom humor reconhecesse sua falta e fizesse dessa busca a mais importante da sua vida. Se as pessoas não se manifestassem agressivamente contra tudo só para tentar provar que são inteligentes. Se em vez de lutar para não envelhecer, lutássemos para não emburrecer.

Se.


Martha Medeiros